Embora a ciência apresente cada vez mais evidências robustas sobre os benefícios da atividade física para a saúde, o número de pessoas que se dedica à prática na medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda é baixo. Tanto no Brasil quanto globalmente, os dados a esse respeito são alarmantes.
Segundo a pesquisa Saúde e Trabalho, realizada pelo Serviço Social da Indústria (SESI) em 2023, 52% dos brasileiros e brasileiras raramente ou nunca praticam atividades físicas. Entre quem se exercita, apenas 22% o fazem diariamente e 13% pelo menos três vezes por semana.
O estudo também apontou conexão entre a frequência da atividade física e o adoecimento: 72% das pessoas que se exercitam com frequência não tiveram problemas de saúde nos últimos 12 meses. Entre quem não faz nenhuma prática, 42% sofreram problemas.
O cenário global também não é animador. Segundo a OMS, uma em cada quatro pessoas adultas não atinge os 150 minutos semanais mínimos de exercícios moderados recomendados pela organização.
Um alerta divulgado em junho do ano passado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) reforça essa preocupação. A análise indicou que cerca de 1,8 bilhão de adultos e adultas não praticaram os níveis recomendados de atividade física em 2022, o que representa 32% da população.
As tendências são preocupantes e podem chegar a 35% até 2030 se não houver intervenção. Nesse cenário, a humanidade terá aumento real no risco de doenças cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral, diabetes tipo 2, demência, determinados tipos de câncer e até depressão e ansiedade.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, o educador físico e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (Inca) Fábio Carvalho afirma que a lista de benefícios trazidos pelas atividades físicas engloba todos os aspectos da saúde. Ele destaca também as vantagens de socialização e formação de vínculos que as práticas proporcionam.
“Temos evidências (de benefícios) desde a década de 50 do século passado. Começou com as doenças cardiovasculares e foi avançando. Podemos dizer que essas práticas vão trazer benefício para uma miríade de condições de saúde, das mais prevalentes – como câncer e a doença cardiovascular – até as ligadas à saúde mental.”
Desafios e desigualdades
O Sistema Único de Saúde reconhece a importância da atividade física e oferece diversas estratégias para incentivar a prática, desde a década de 1990. Mas o Brasil ainda não tem uma política nacional de combate ao sedentarismo.
Na lista do que já existe está o programa Academia da Saúde, criado em 2011, o Incentivo Federal para a Promoção da Atividade Física (IAF) na Atenção Primária, implementado a partir de 2022 e a inclusão do tema no trabalho e nas orientações das equipes multiprofissionais que atendem à população.
No entanto, os desafios permanecem. Um estudo recente analisou a implementação do IAF nos primeiros meses de existência da política, entre maio de 2022 e setembro de 2023. Com foco na equidade, a pesquisa apontou que o percentual de unidades de saúde financiadas pelo IAF não ultrapassou 37,6%.
O levantamento também observou desigualdades na alocação de recursos. Um percentual maior de unidades de saúde em municípios com menor prioridade foram financiadas, indicando que os critérios adotados foram insuficientes para garantir equidade na distribuição do financiamento.
Na conversa com Repórter SUS, Fábio Carvalho aponta a necessidade de avanço na criação e consolidação de uma Política Nacional de Prática Corporal de Atividade Física, com olhar específico para essa área, metas, planejamento e financiamento mais robustos. Segundo ele, a mobilização social já existe, falta agora o passo político do processo.
“Diferentes instituições, atores institucionais e sociais e pesquisadores do campo têm defendido esse pleito. Conseguimos apresentar a demanda no Conselho Nacional de Saúde, em agosto de 2024, e o CNS apoiou esse debate. Em setembro de 2024, fizemos uma reunião com o Ministério da Saúde, na Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Ficou combinada a criação de um grupo de trabalho para olhar para essa questão. Mas, desde então, não conseguimos avançar.”
O especialista também falou sobre como as desigualdades sociais impactam na prática das atividades físicas. As pesquisas da OMS, por exemplo, mostram que as mulheres têm menos oportunidade de se manterem ativas e em praticamente todos os países, as pessoas idosas também têm menos acesso.
Situações semelhantes são observadas em populações mais pobres, pessoas com deficiência, com doenças crônicas e indígenas. Fábio Carvalho afirma que essa realidade exige soluções multifatoriais.
“Sabemos que no Brasil as mulheres são fisicamente inativas no lazer e mais fisicamente ativas nas tarefas domésticas. Então, temos que pensar em algo mais geral, que foge ao escopo somente das práticas corporais físicas e da saúde. É preciso, nesse caso, uma política pública que consiga dividir melhor o trabalho doméstico, por exemplo, para que as mulheres tenham mais tempo para fazer aquela atividade no lazer.”
Ele também reflete sobre a necessidade de que a prática de exercícios não seja um debate relativo somente à prevenção das doenças e em um nível individual. É preciso conectar a discussão à socialização e à coletividade.
“Não podemos ficar repetindo o discurso de trinta anos, que só relaciona atividade física e doença. Isso é importante, mas precisamos levar para as pessoas a mensagem de que pode ser aquele momento prazeroso, de descanso mental. Seja se reunindo com pessoas ou sozinho, é um momento de fruição e de alegria”, conclui.
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Novos programas são lançados toda semana. Ouça aqui os episódios anteriores.
* Edição: Nicolau Soares
* Foto: Hector Santos/Prefeitura do Rio