O Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) realiza, nas segundas-feiras do mês de maio (dias 5, 12, 19 e 26/5/25), a 25ª edição do curso “Violência contra crianças e adolescentes – a intersetorialidade na prevenção e no atendimento”. A iniciativa tem como objetivo sensibilizar e capacitar profissionais de saúde para o reconhecimento e a abordagem adequada dos diversos tipos de violência que atingem crianças e adolescentes, promovendo uma atuação articulada entre os setores envolvidos.
A abertura foi conduzida pelo pediatra e diretor do Centro de Estudos Olinto de Oliveira (CEOO), José Augusto Alves de Britto, local onde o curso acontece: “Parabenizo a organização deste curso tão necessário, que há anos integra e enriquece a programação do CEOO. Tenho certeza de que todos sairão daqui transformados”, afirmou.
Na sequência, a responsável pelo curso e coordenadora do Núcleo de Apoio aos Profissionais que atendem crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos (NAP/IFF), Rachel Niskier, deu boas-vindas aos participantes: “Ao longo do curso, vamos conversar sobre o NAP, que deu origem a essa formação e que completa 25 anos de atuação ininterrupta. Neste ano, teremos duas edições: esta e outra prevista para o segundo semestre”, adiantou.

A primeira palestra do curso teve como tema “Infâncias brasileiras e violências”, apresentada pela professora e pesquisadora do IFF/Fiocruz, Suely Deslandes. Durante sua fala, ela destacou a importância de compreender a infância como uma etapa única da vida. “Quando você enxerga uma criança como um pequeno adulto em construção, está, na verdade, projetando nela expectativas sociais sobre o que ela deve ser no futuro. Se vivemos em uma sociedade guerreira, espera-se que ela se torne um guerreiro. Em uma sociedade democrática, acredita-se que ela terá direitos e espaço para se desenvolver. Mas é preciso entender que a infância é uma etapa única da vida, com sentido e importância próprios. A criança não é apenas um ser que ‘vai ser’, ela já é — ela tem presença, voz e direitos agora”.
Deslandes abordou o tema das violências estruturais, ressaltando como o Brasil é atravessado por profundas desigualdades históricas, marcadas pela colonialidade, racismo estrutural e desigualdade de gênero. Para ilustrar esse cenário, apresentou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023, que revelam que pessoas pretas ou pardas representam mais de 70% da população em situação de pobreza ou extrema pobreza no país.
Outro dado alarmante apresentado foi o aumento da taxa de crianças não alfabetizadas entre 7 e 8 anos, que passou de 14% em 2019 para 30% em 2023, indicando os impactos das desigualdades no acesso à educação de qualidade e ainda os efeitos da pandemia da Covid-19.
Ao tratar das Mortes Violentas Intencionais (MVI), Suely citou estatísticas de 2024 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que mostram que adolescentes negros do sexo masculino têm 4,4 vezes mais risco de serem assassinados no Brasil do que adolescentes brancos. Além disso, segundo dados das Secretarias Estaduais de Segurança Pública e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de letalidade provocada pelas polícias entre adolescentes de 15 a 19 anos é 113,9% maior do que entre adultos.
No campo da violência sexual, os números também são preocupantes: entre 2021 e 2023, o número de casos registrados de estupro e estupro de vulnerável contra crianças e adolescentes (0 a 19 anos) saltou de 46.863 para 63.430, com uma subnotificação estimada de que apenas 8,5% dos casos são oficialmente notificados.
Como caminhos para a mudança, Deslandes informou as recomendações do UNICEF, que incluem: enfrentamento ao racismo; inclusão da perspectiva de gênero nas políticas públicas; e redução das desigualdades socioeconômicas.

No encerramento do primeiro dia, o diretor do Instituto, Antônio Meirelles, compartilhou uma reflexão sobre o cuidado e os desafios atuais: “Precisamos estar sempre atentos e firmes. É essencial olhar com responsabilidade para o futuro de quem comete ou reproduz violências, de qualquer natureza. Devemos ter cautela para que aqueles que se alimentam da desinformação e da cultura da violência não voltem a ocupar espaços de poder e decisão.”