A atuação da Cooperação Social (CCSP) no Fiocruz Pra Você 2023 foi a maior desde o surgimento da Coordenação. Com 15 atividades realizadas, apesar do forte calor e encerramento do evento mais cedo, a CCSP foi o setor com maior presença na programação do evento que visa à integração e trocas de experiências entre os trabalhadores, instituições, organizações e lideranças locais e a população dos territórios onde a Fiocruz está presente.
As ações da 27ª edição do FPV mobilizaram exposições, oficinas, apresentações culturais e diferentes tipos de atividade que nascem a partir do trabalho coletivo com as organizações da sociedade civil, movimentos sociais, projetos e instituições que articulam a promoção da saúde e o enfrentamento das desigualdades e iniquidades sociais em saúde nos territórios socioambientalmente vulnerabilizados.
Garantia de direitos para a população trans
Ao todo, 81 pessoas obtiveram a sentença judicial que permite a mudança de seus documentos de identidade nos cartórios, retificando nome e gênero no registro de nascimento, dentre elas homens e mulheres trans, travestis, pessoas transmasculinas e pessoas não-binárias. A ação é parte do projeto Respeita minha identidade e foi uma articulação da Liga Transmasculina João W. Nery, uma das organizações de homens transexuais mais importantes do país, com a Justiça Itinerante e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, mobilizando cerca de 10 magistrados, defensores e promotores, além de outros profissionais que auxiliaram a organização da ação. As audiências de retificação com os juízes aconteciam no local, o saguão do Centro de Recepção do Museu da Vida – Fiocruz, e logo na mesa ao lado, promotores e defensores faziam sua parte e assinavam os documentos. Ao final do circuito, cada pessoa saía renascida.
“Eu estava louca por esse momento, estou muito feliz! Quero que me fotografe linda, bela e com minha nova certidão de nascimento”, disse Havanna logo após finalizar seu processo, ao lado do amigo Allan.
Durante o evento, foram atendidas pessoas de diversas localidades do Rio de Janeiro, sendo 80% delas de fora da Região Metropolitana, segundo Gab Van, ativista de Direitos Humanos e Presidente da Liga Transmasculina. Esse quantitativo foi alcançado através da articulação com parcerias que viabilizaram as viagens intermunicipais de cada uma dessas pessoas, muitas vezes acompanhadas de familiares, amigos e parceiros.
“Isso é um alerta sobre como a sociedade trata o direito da população trans. Foi preciso viajar por horas para conseguirem garantir seus direitos nesse mutirão”, explica Gab Van. “A emoção nos olhos das pessoas ao serem reconhecidas e identificadas a partir de quem realmente são é extremamente gratificante e vale todo o trabalho”, comenta ele, que tem um perfil ativo e de referência no assunto nas redes sociais.
Com o documento obtido na ação promovida no evento, essas pessoas deverão se encaminhar aos cartórios e outras agências de emissão de documentos para solicitarem retificação de nome e gênero e cada um. A documentação obriga a alteração de registros, facilitando e reforçando por lei o reconhecimento judicial das pessoas transgênero ou não binárias.
“Ver que as pessoas se sentem bem-vindas, acolhidas, percebendo que o Poder Judiciário está lá para elas e eles é de muita motivação e alegria”, afirma Biancka Fernandes, educadora Comunitária do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e integrante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz. “Pessoas trans, travestis e não binaries conquistarem esses direitos básicos é essencial para a nossa comunidade e assim estamos cada vez mais ganhando espaço na política brasileira, passamos a ocupar cargos e funções na administração pública. No campo político, é possível citar grandes nomes trans para a Câmara dos Deputados como Erika Hilton, Duda Salabert, Linda Brasil, Dani Balbi são grandes conquista do cargo de Deputada Federal e Estadual. TRAVESTIS ELEITAS!” destacou sobre o impacto social para a população e para o programa.
No campo social, a educadora aponta o direito de realização da cirurgia de redesignação sexual pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a criminalização da homofobia e da transfobia.
Exposições: fotografia, memória e intervenção
O Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha apresentou a exposição virtual “Existe meio ambiente em favelas” que representa, através da fotografia e exposição de dados, a quebra do imaginário social de que meio ambiente é só onde tem vegetação, floresta e reserva ambiental e traz dados sobre saneamento no local. As imagens registram as nascentes, cachoeiras, vegetação e rios localizados nos territórios do Complexo do Alemão, Complexo do Lins, Jacarezinho e Manguinhos, territórios localizados na bacia hidrográfica do Canal do Cunha.
A exposição foi realizada através da parceria entre a Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) e o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
O Jornal Fala Manguinhos Também esteve presente no evento com uma exposição realizada em comemoração ao marco de 10 anos de existência do jornal, lançado no dia 14 de novembro de 2013. “A exposição contém as principais capas dos jornais ao longo desses anos, junto das principais matérias. A ideia foi resgatar um pouco da história do jornal. Apesar do Fala Manguinhos ter mudado de diretoria recentemente, nós fizemos questão de não deixar a história que foi construída até o momento se perder. Uma maneira de resgatar essa memória é a realização da exposição”, afirmou Fábio Monteiro, integrante da equipe da Cooperação Social da Fiocruz e presidente do jornal Fala Manguinhos.
A exposição das edições marca a história contada por moradores do território da favela de Manguinhos que, após reuniões do Conselho Comunitário de Manguinhos (grupo que reúne coletivos em prol de melhorias na comunidade, onde fazem parte coletivos de cultura, turismo, comunicação, assistência social e direitos humanos) construíram o jornal comunitário, feito por moradores e para moradores.
A exposição fotográfica Manguinhos: Quadros de um Território-Manifesto, organizada com metodologia de curadoria com participação social junto a organizações comunitárias, também apresentou ao público do evento a curadoria de 30 imagens que retratam o território de Manguinhos através dos recortes da promoção da saúde, educação, manifestações culturais, resistência, memória e cotidiano local do Complexo de Manguinhos, zona norte do Rio de Janeiro.
A construção da exposição é fruto da articulação entre a Cooperação Social, o setor de Eventos da Presidência, Espaço Casa Viva/ RedeCCAP, Jornal Fala Manguinhos!, Coletivo Experimentalismo Brabo, Organização Mulheres de Atitude e o Observatório da Sub-Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha. A exposição também está disponível virtualmente e pode ser acessada nas plataformas Behance e Flickr.
Fechando a programação de exposições, um varal sobre Violência contra Mulher, construído com cartazes artísticos e informativos sobre os diversos tipos de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral) ocupou a entrada do Foyer do Museu da Vida Fiocruz. A intervenção foi realizada pela Organização Mulheres de Atitude (OMA), criada para elaborar formas de enfrentamento as diferentes violências vividas pelas mulheres faveladas e periféricas. A OMA é composta por um grupo de mulheres negras de diferentes áreas de formação, voltadas para o trabalho de garantia dos direitos das mulheres com enfoque de gênero, raça/etnia e direitos humanos.
“A Organização se propõe a atuar com mulheres vítimas de violência, levando-as à busca por orientação, encaminhamento e proteção contra seus algozes. A ideia da Organização é também atuar com essas mulheres para que elas se fortaleçam para romper com o ciclo da violência, inserindo-as no mercado de trabalho e também trazer a questão da conscientização dos seus direitos”, destacou Patrícia Evangelista, coordenadora e fundadora da Organização.
A OMA está presente nos espaços de conferências, audiências públicas, fóruns de mulheres e debates relacionados a questão de gênero, principalmente no debate do recorte das mulheres negras que são mais atingidas pela questão da violência doméstica. A Organização também articula com as Delegacias Especializadas de Defesa dos Direitos da Mulher (DEAMs), os Centros Especializados de Atendimento à Mulher (CEAMs) e os serviços de justiça da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Para além da questão racial, Patrícia também destaca o recorte econômico e territorial. “As mulheres de fora da favela têm um acesso melhor à justiça. Trabalhamos com as mulheres faveladas e de periferias, que têm como diretriz não buscar a delegacia para reparação dos seus direitos. Enquanto organização do território de Manguinhos, a OMA ajuda essas mulheres a encontrarem os seus direitos e repararem suas violações”, explicou a coordenadora.
Crescendo com Manguinhos
Se ouvia de longe o Rap da Felicidade embalando o público no Fiocruz Pra Você. Eu só quero é ser feliz... e a alegria estampa no rosto das 31 crianças e adolescentes do projeto Crescendo com Manguinhos que se apresentaram pela primeira vez no evento, no palco montado ao lado do Parque da Ciência. As turmas de dança são uma iniciativa pedagógica que integra o Somar, parte das ações de Responsabilidade Socioambiental de Bio-Manguinhos com apoio da Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz.
"Para essas crianças e adolescentes, estar na Fiocruz é uma oportunidade de desenvolver pertencimento e apropriação do espaço. Como parte de um projeto ligado à instituição, eles podem e devem entender que são parte dela", explica Thaianny Christinne, pedagoga e coordenadora do Crescendo com Manguinhos. "Estar em um evento dessa proporção é um caminho para romper barreiras invisíveis e divulgar a nossa atuação dentro da nossa comunidade. E, dessa vez, no Fiocruz pra Você eles se divertiram muito. Isso é essencial para nós", completou.
Além da dança, o projeto promoveu também cerca de 1h de atividade física para o público presente que acompanhou e se exercitou junto.
Espaço Casa Viva e Escola de Música de Manguinhos da Rede CCAP
Veterana, a Rede CCAP celebrou 20 anos de presença no Fiocruz Pra Você com cinco atividades na programação do evento pelo Espaço Casa Viva e a Escola de Música de Manguinhos, com apoio da Cooperação Social.
A Apresentação Musical do grupo Música na Calçada, do Espaço Casa Viva foi um sucesso, apesar do calor. O público encontrou uma sombrinha ao lado do palco montado em frente ao Castelo e, mesmo com a temperatura alta já às 9h da manhã, dançou e cantou durante os 40 minutos de um repertório de sambas e músicas brasileiras.
Nos estandes da Cooperação Social, a Biblioteca Casa Viva e a Oficina Portinari, parte do Espaço Casa Viva, montaram atividades para crianças, com contações de estórias, livros disponíveis para leitura e espaço para desenho e pintura sobre alimentação saudável. Ali passaram cerca de 60 crianças com suas famílias que curtiram um espaço de descanso e jogos divertidos.
Já as apresentações de 35 alunos das turmas de canto e percussão e cavaquinho da Escola de Música de Manguinhos aconteceram no palco ao lado do Parque da Ciência para familiares, amigos e o público geral do evento. As turmas retornarão no sábado, dia 25/11, para as apresentações finais do ano, que marcam o encerramento das atividades da Escola, que formou 234 pessoas em 2023. O encontro será no Auditório do Museu da Vida - Fiocruz, às 11h.
Esporte e meio ambiente: a parceria entre a Ecotroca e o projeto Estrelas do Mandela
O documentário “Estrelas do Mandela – a história de um time de futebol feminino”, foi exibido ao público no auditório do Museu da Vida Fiocruz. Dirigido por Edilano Moreira Cavalcante, o filme conta a história de um time de futebol feminino que existe a mais de 20 anos no complexo de favelas de Manguinhos, zona norte do Rio de Janeiro. A diretora do projeto social Estrelas do Mandela e técnica do time, Graciara Silva, conduz a narrativa sobre determinação, afeto e sororidade entre meninas e mulheres através do esporte.
O projeto funciona no Complexo de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro, desde 2002 e busca promover o esporte dentro das favelas como ferramenta de transformação social. O treinamento de futebol feminino é realizado com crianças e pré-adolescentes.
O tabuleiro gigante da Maratona Ambiental Ecotroca integrou a lista de atividades interativas do dia. O jogo é composto por um caminho de casas, dados de cores diferentes e cartas com informações e ações voltadas para a questão ambiental: avança quem escolhe a resposta certa! A forma lúdica de promover educação ambiental tem a proposta pedagógica de envolver crianças e adolescentes no debate sobre saúde, saneamento, meio ambiente e políticas públicas.
O projeto Ecotroca realiza atividades em escolas e projetos sociais atuantes no território de Manguinhos, orientando sobre o descarte adequado de materiais como óleo de cozinha e tampas plásticas de garrafas e organizando a coleta desses materiais.
A parceria e articulação entre a Ecotroca e o Estrelas do Mandela gerou benefícios ambientais e econômicos: quando as participantes do projeto Estrelas do Mandela juntam uma certa quantidade de materiais para a reciclagem, o valor arrecadado custeia a compra de chuteiras e bolas de futebol para o time feminino continuar se desenvolvendo no esporte.
Acessibilidade e inclusão: ações e projetos voltados para pessoas com deficiência
Cerca de 60 pessoas entre crianças e adultos estiveram no estande da Cooperação Social onde aconteceram as atividades da Oficina de Libras promovida pelo Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI-Rio). O CVI-Rio, em parceria com a Cooperação Social e a Coordenação Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe), promove o Projeto Empregabilidade Social da Pessoa Surda na Fiocruz, que atualmente conta com 110 trabalhadores surdos em diversas unidades da instituição.
O jogo da amarelinha que exibia o alfabeto em língua portuguesa e língua manual atraiu e divertiu as famílias, que levavam uma cartilha com o alfabeto manual. Segundo Rita Lobato, supervisora de projetos CVI-Rio, o interesse do público era saber mais sobre onde poderiam fazer um curso de Libras. “Todas as pessoas que perguntaram, já tinham um interesse prévio, antes de passarem pelo estande. Isso mostra que a disseminação do assunto está acontecendo e os ouvintes agora querem se comunicar com as pessoas surdas, só não sabem por onde começar”, afirmou.
O Instituto Kevyn Johnson / Projeto Marias - Como Posso Ajudar Meu Filho Especial apresentou, durante o evento, exposições e atividades de construção de brinquedos e oficinas com materiais reciclados como garrafas, papelão tampinha das garrafas. A contação de estórias foi apresentada pela Preta de Neve, em comemoração ao dia da consciência negra, com a representação de uma princesa preta.
Localizado na Avenida Dom Hélder Câmara, 1184, Desup Manguinhos (próximo à UPA de Manguinhos), o Instituto Kevyn Johnson / Projeto Marias Como Posso Ajudar Meu Filho Especial é um coletivo de mulheres mães de filhos com deficiência e/ou necessidades especiais como autismo, paralisia cerebral, deficiência visual, deficiência auditiva Síndrome de Down, transtornos mentais, anemia falciforme entre outras doenças que necessitam de cuidados como déficit de atenção e hiperatividade. O projeto atua em Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro.
“O Instituto Kevyn Johnson/Projeto Marias, foi criando depois que meu filho nasceu com paralisia cerebral por erro médico. Sofri violência obstétrica e racismo na hora do parto. Atendemos essas famílias aqui em Manguinhos há 20 anos”, relata Norma Souza, diretora fundadora do projeto Marias e pedagoga especialista em neuropsicopedagoga.
“Todos os projetos são importantes para este território, mas só o projeto Marias que dá este suporte para as pessoas com deficiência e seus familiares. Precisamos que as políticas públicas sejam fiscalizadas, pois elas existem, mas não nos representam. A garantia de direitos é quase impossível”, afirmou.
* Fotografias da matéria: Fábio Monteiro (Jornal Fala Manguinhos!), Luiza Toschi (Cooperação Social da Fiocruz) e Nathalia Mendonça (Cooperação Social da Fiocruz)