O seminário Financiar para Destravar, promovido pela Fiocruz na segunda-feira (5/5), na Casa Firjan, no Rio de Janeiro, recebeu lideranças comunitárias, gestores públicos e especialistas para debater o financiamento inclusivo. O encontro marca o pontapé inicial do Programa de Formação em Captação e Gestão para Organizações de Favelas, uma iniciativa inédita que busca fortalecer institucionalmente organizações sociais atuantes nos territórios vulnerabilizados do Rio de Janeiro.
A qualificação torna as organizações mais preparadas para captar recursos, prestar contas e dialogar com a sociedade (Foto: Peter Ilicciev)
Com auditório cheio, o seminário foi além do lançamento de um curso: foi um espaço de reflexão e compromisso com um modelo amplificado de investimento social. O evento é resultado da parceria entre a Diretoria Executiva da Fiocruz, o Escritório de Captação de Recursos da Fundação e o Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro.
O diretor-executivo da Fiocruz, Juliano Lima, destacou a importância de iniciativas que democratizam o acesso ao financiamento. “Este trabalho conjunto de diversos setores da Fiocruz é sensível e inovador”, comentou. “É uma alegria imensa estarmos aqui ao lado de organizações que passaram por um processo seletivo rigoroso e que agora têm a chance de ampliar seu impacto nas favelas”.
O seminário contou com a presença da diretora Socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Tereza Campello, que chamou a atenção para o abismo na destinação de recursos públicos. “Aqui, qualquer pequeno recurso direcionado a uma organização da favela é questionado. Enquanto isso, instituições tradicionais recebem bilhões sem qualquer desconforto. É um preconceito estrutural que precisamos enfrentar com urgência. Esse é um problema real que precisamos enfrentar”, ressaltou.
O seminário também foi espaço para depoimentos pessoais, como o do Secretário Nacional de Periferias, Guilherme Simões, que se disse identificado com o público do evento. “Quero parabenizar a todos os selecionados e desejar o melhor ciclo de aprendizado possível nos próximos meses. Eu vim do movimento social, da periferia de São Paulo. Estar aqui é saber o quanto é difícil manter a coletividade, manter o foco. A gente sabe quantos ficaram para trás. Por eles, eu me comprometo a trabalhar para que essa iniciativa ganhe escala nacional”, afirmou.
A formação, que terá duração de nove meses e foi desenhada para ir além da sala de aula. Ao todo, 50 organizações participarão de aulas, mentorias, processos de incubação e apresentação de projetos a investidores. “Não é uma corrida de 100 metros rasos, é uma maratona. Vamos ter encontros semanais, etapas intensas, e precisamos estar juntos, apoiando uns aos outros”, disse o coordenador do Escritório de Captação da Fiocruz, Luís Fernando Donadio, ao dar as boas-vindas às organizações selecionadas.
A base da formação está ancorada na experiência do Plano Integrado de Saúde nas Favelas, política criada em 2020 e que se consolidou como a maior ação do Brasil com foco específico em saúde nos territórios populares. O plano já financiou 146 projetos em 175 favelas, impactando mais de 650 mil pessoas em 33 municípios do estado, com a criação de cozinhas comunitárias, consultórios psicoterapêuticos e projetos de comunicação popular. No âmbito do Plano já foram distribuídas mais de 500 toneladas de alimentos por meio das iniciativas de segurança alimentar. Um dos criadores do Plano foi o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel Fernandes, que estava presente ao evento na Casa Firjan.
O coordenador do Plano, Richarlls Martins, fez questão de enfatizar o ineditismo da proposta: “Pensar a favela a partir da chave da saúde é algo novo, e essa formação chega para fortalecer ainda mais essa virada de chave. Essa qualificação torna as organizações mais preparadas para captar recursos, prestar contas e dialogar com a sociedade”.
O evento foi permeado por emoção, reconhecimento mútuo e uma forte sensação de pertencimento coletivo. A lembrança de bastidores também teve espaço. Ao final do encontro, ficou evidente que o seminário não foi apenas um marco institucional. “Foi, acima de tudo, um ato político e afetivo em defesa da vida nas favelas — e do direito dessas comunidades não apenas de sobreviver, mas de se desenvolver com autonomia, respeito e dignidade”, destacou Martins.