Estudo Vai Mapear a Transmissão Da Malária Em Três Estados Da Amazônia

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José Gadelha (Fiocruz Rondônia)
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Pesquisadores da Fiocruz Rondônia iniciaram um estudo que busca avaliar a transmissão da malária em uma das principais áreas de circulação da doença em Porto Velho, a região da Bacia Leiteira, localizada na divisa da capital com o município de Candeias do Jamari. A região é majoritariamente formada por propriedades rurais e vem chamando a atenção dos pesquisadores e dos órgãos de vigilância pela incidência de malária. Apesar da número de casos estar diminuindo, só nos últimos três anos foram confirmados 1.651 diagnósticos de malária na localidade, de acordo com o Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (Sivep/Malária) do Ministério da Saúde (MS).

Foto de profissionais da pesquisa abordando participantes em casa
Primeira fase do estudo é constituída por um levantamento sociodemográfico (foto: Fiocruz Rondônia)

 

 

Os pesquisadores querem identificar os vetores associados à transmissão da doença e de que forma o seu comportamento influencia na manutenção dos casos na área do estudo. Assim, visam determinar medidas de prevenção e de controle adequadas às características epidemiológicas da região e à realidade dos moradores.  

O estudo será replicado nos estados do Acre e Amazonas, também em áreas de alta incidência da malária, com a colaboração da Universidade Federal do Acre (Ufac), em Cruzeiro do Sul, e da Fiocruz Amazônia, no município de Tefé. Em Porto Velho, a pesquisa será executada em colaboração com o Departamento de Controle de Zoonoses (DCZ/Semusa), o Departamento de Vigilância em Saúde da capital (DVS/Semusa) e a Agência Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa/Sesau). Intitulado Dinâmica da Transmissão da Malária na Amazônia: influência das intervenções de controle em áreas endêmicas, a pesquisa foi aprovada na Chamada CNPq/MCTI/FNDCT nº 19/2024 – Centros Avançados em Áreas Estratégicas para o Desenvolvimento Sustentável da Região Amazônica (Pro-Amazônia).

No último mês de março, teve início o levantamento sociodemográfico – a primeira fase do estudo e que é determinante para as ações futuras – em que os pesquisadores fazem todo o levantamento do quantitativo de moradores e o perfil socioeconômico dos participantes da pesquisa. Na segunda fase, os pesquisadores realizarão o monitoramento vetorial, por meio de acompanhamentos mensais e coleta de mosquitos. Isso permitirá identificar os horários de picada dos mosquitos, quais estão infectados com o parasita da malária e se a transmissão da doença pode estar ocorrendo dentro das residências ou fora, no perímetro urbano das casas.

"Nas etapas seguintes, serão realizadas ações educativas e de orientação aos moradores, enfatizando sobre os vetores relacionados à transmissão e prevenção da malária, por fim serão encaminhadas medidas de controle como a distribuição de mosquiteiros impregnados com inseticida e o diagnóstico rápido na área”, explica uma das coordenadoras do estudo em Porto Velho, Maísa Araújo. "A pesquisa também irá levantar o padrão de comportamento do vetor frente a essas medidas de controle, por isso a participação da comunidade é fundamental em todas as fases do estudo", destaca a pesquisadora.

Controle Vetorial em áreas endêmicas da Amazônia

Monitoramento de malária.Rondônia, assim como os demais estados da Amazônia Legal, segue como área endêmica para a malária. Em 2024, foram registrados 7.715 casos no estado, representando uma redução de 34% em relação a 2023, que teve 11.762 casos, de acordo com a Agevisa.

O coordenador do Programa Estadual de Controle da Malária (PECM/Agevisa), Valdir França Soares, salienta que a diversidade dos cenários de transmissão, aliada às limitações da capacidade operacional e entomológica dos municípios, acaba comprometendo as ações mais direcionadas baseadas no comportamento do vetor. Segundo ele, “as diferentes realidades com áreas urbanas, rurais, ribeirinhas, de assentamentos, áreas indígenas e garimpeiras exigem estratégias específicas, somando-se a isso fatores como o desmatamento, a mobilidade populacional e o difícil acesso a algumas comunidades na busca de diagnóstico e tratamento da doença”.

A área do estudo em Porto Velho carece de uma atenção especial, pois mesmo possuindo alta densidade demográfica, enfrenta barreiras no acesso aos serviços de saúde. O controle da malária é feito principalmente por agentes de endemias por meio de busca ativa. Em casos de necessidade de atendimento, os moradores recorrem a unidades como o Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem) e a Policlínica José Adelino em Porto Velho, ou se deslocam até o município vizinho de Candeias do Jamari. “Por isso, cada localidade exige uma análise específica da dinâmica de transmissão da malária, levando em conta o vetor, o território e a população. Só com esse olhar detalhado é possível tornar as ações de controle mais eficazes”, considera França, ressaltando a importância da pesquisa conduzida pela Fiocruz Rondônia no Estado.

Diretora do Departamento de Vigilância em Saúde (DVS/Semusa), Geisa Brasil, que colabora com a pesquisa, espera que o estudo permita “consolidar um banco de dados robusto e atualizado dessa área endêmica, o que poderá nos permitir mostrar ao Ministério da Saúde quais são as estratégias mais eficazes no controle vetorial da região”. Ela também reforçou a importância da integração entre as instituições parceiras que, após o estudo, poderão trazer evidências da viabilidade da aplicação do projeto em outras áreas endêmicas no município de Porto Velho.  

Pontos focais do estudo no Acre e Amazonas

No Acre, a pesquisa será realizada na zona rural de Cruzeiro do Sul, município localizado a 635 km da capital Rio Branco. A área foi estrategicamente escolhida por possuir a maior incidência parasitária anual de malária dentre as demais regiões do Estado, sendo responsável por 50% dos casos de malária e onde estão concentrados os esforços de controle e eliminação da doença na região.

O pesquisador Rodrigo Medeiros Martorano, responsável pelo Laboratório de Doenças Infecciosas na Amazônia (LabDINAMO) no campus Floresta da UFAC, é quem vai conduzir o estudo. Ele destaca que, dentro da realidade acreana, a principal dificuldade é o acesso dessas populações e a essas populações. “Nós temos uma malária predominantemente rural e, na maioria das vezes, nas novas localidades que surgem em decorrência do desmatamento e abertura de novas áreas para a agricultura, esse cenário não acompanha a chegada das políticas de saúde o que acaba contribuindo para que se criem ambientes favoráveis à permanência da disseminação da malária nessas áreas mais distantes”, afirma. 

Foto de profissionais da pesquisa conversando com moradores
Projeto vai elucidar questões importantes sobre o cenário epidemiológico da malária (foto: Fiocruz Rondônia)

 

 

No Amazonas, a área de abrangência do estudo será no município de Tefé, distante cerca de 633 km de Manaus, por via fluvial. Nesta área, os casos de malária ocorrem o ano todo. “É possível pensar que todos os seus 73.669 habitantes estão em risco de contrair a malária, porque é uma zona endêmica, onde há malária urbana e rural”, revela a pesquisadora da Fiocruz Amazônia, Claudia Maria Ríos-Velásquez, que conduzirá o estudo, juntamente com uma equipe de profissionais da Fiocruz, da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS) e da Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM/Gerência de Endemias de Tefé).

De acordo com Cláudia Ríos, “cada área tem as suas particularidades, entretanto na mesorregião do Centro Amazonense quase todos os municípios têm transmissão de malária, e em geral, tem condições ecológicas e de dinâmica de águas semelhantes, podendo influenciar de forma semelhante a transmissão da malária. As estratégias compostas a partir dos nossos resultados poderão servir como modelo nesta e em outras regiões, mas claro que para a sua implementação devem existir avalições prévias de viabilidade”.

O coordenador geral da pesquisa, Jansen Fernandes de Medeiros, da Fiocruz Rondônia, enfatiza que com o projeto será possível elucidar questões importantes sobre o cenário epidemiológico da malária em uma das principais regiões de transmissão dentro do município de Porto Velho. “Sem esse esforço em conjunto, não poderemos alcançar os objetivos do projeto, que já contempla uma enorme carência em termos de conhecimento sobre a malária em regiões mais vulneráveis da Amazônia”, conclui.