Na noite do dia 29 de abril, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/ Fiocruz) foi palco da “V Literatura no Dente: Seminário de Favelogia e Outras Poéticas Políticas”. A iniciativa, do projeto Impulso Carioca, é uma realização da Coordenação da Cooperação Social da Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Bando Editorial Favelofágico, com gestão cultural da Sociedade de Promoção da Casa de Oswaldo Cruz (SPCOC). O evento contou com duas mesas de debates, reunindo escritores, dramaturgos e estudantes da Educação de Jovens e Adultos.
Para Felipe Eugênio, editor executivo do projeto, a literatura em territórios periféricos de centros urbanos representa o encontro de importantes pensadores que fazem a crítica da cultura da exclusão dos mais pobres, proposições antirracistas e se dedicam à afirmar a diversidade sexual, assim como o necessário fim do patriarcado. “Quando uma residência literária, como essa produzida na favela de Manguinhos, não apenas acolhe escritores vindos de periferias cariocas como também lhes propõe o desafio de uma poética insurgente, a favelofagia, é porque estamos lidando com o direito dos grupos oprimidos à serem também produtores de suas narrativas”, afirmou Felipe.
A primeira mesa abordou o tema “O investimento na forma: modos favelofágicos de fazer literatura” e contou com a participação Mauro Siqueira e Steffany Dias, autores da V Residência Favelofágica - realizada em Manguinhos, Ana Paula de Albuquerque e Vera Lúcia da Silva, respectivamente, professora e aluna da EJA na EPSJV/Fiocruz, e Renato Farias, dramaturgo, diretor de teatro e apresentador do Ciência e Letras na Fiocruz.
Durante o encontro, o trabalho com a linguagem foi discutido como um instrumento político e combativo quando produzido por autores periféricos. Também esteve em pauta a peça “A Saúde na Saúde”, de Geraldo Andrade, escritor e dramaturgo de Manguinhos, que tensiona o cotidiano e as contradições do sistema público de saúde através de uma narrativa afiada e irônica.
“Geraldo Andrade foi um autor com vários papeis. O surgimento do Teatro do Oprimido, o humor na dramaturgia, já era presente na escrita de Geraldo com seus personagens vibrantes. Podemos traçar um paralelo com um dos pilares da Favelofagia, visto seu potencial como instrumento de crítica. Toda escolha estética é uma escolha política”, afirmou Renato Farias.
No intervalo das mesas, foi realizada uma leitura de poemas autorais sobre racismo ambiental com os escritores Omar Jorge e Vanusa Araújo. Omar apresentou o poema “A maré nas águas turvas”, que trata da poluição do Rio na Maré. Vanusa trouxe “Arpilleras: Trajetória de mulheres atingidas por Barragens”, abordando temas como remoção, perda de sonhos, luta das mulheres contra a depressão e as opressões do Estado.
Para encerrar o evento, foi promovida a mesa “O passado que informa o futuro: Manguinhos Literária na cidade do livro” que reuniu Geraldo Andrade, Michele Paiva, editora do Bando Editorial Favelofágico, Danielle Leal, professora da EJA na Escola Politécnica Joaquim Venâncio, Dani Ribeiro, autora da III Residência Favelofágica e Marcos Pedrosa, ex-professor da EJA na Escola Politécnica.
A produção literária de Manguinhos, em sua dimensão histórica e afetiva, foi um dos pontos trazidos pelos participantes, destacando a tradição cultural do território. Desde os anos 1960, com o Cia de Teatro de Favela, e a velha guarda de poetas e escritores que consolidaram uma literatura feita de lutacomo Celeste Estrela, Gagui (in memoriam) e Jorge Mathias.
“Eu relembro a minha própria história e destaco o trabalho de Luiz Mendonça quando participei, ainda adolescente de um grupo de teatro e me apaixonei pelo gênero. O trabalho da escrita e do Teatro de Favela, que tem 55 anos de história, contribui epistemologicamente para seu caráter de pesquisa e traz, ainda hoje, um certo tipo de atualizada metodológica através dos relatos orais”, destacou Geraldo Andrade.
Uma parte da história de produções culturais de Manguinhos é narrada na reportagem da Revista de Manguinhos (“Show do Juvenal – 47 anos depois”). Já a relação histórica da Fundação Oswaldo Cruz com o Teatro de Favela é descrita no capítulo 1 do livro institucional da Coordenação de Cooperação Social, disponível para leitura aqui.