A relação entre a produção agrícola e seus impactos na saúde socioambiental têm sido objeto de diversos estudos, especialmente em regiões de monocultura intensiva. Desenvolvida nesse contexto, uma tese de doutorado recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Teses 2024. O estudo investigou os impactos da produção de cana-de-açúcar na saúde socioambiental da Zona da Mata pernambucana, utilizando os pressupostos da epidemiologia crítica.
A pesquisa analisou os territórios produtores de cana-de-açúcar e seus impactos na saúde da população local, considerando fatores como exposição a agrotóxicos, agravos respiratórios decorrentes da queima da palha da cana e as consequências da exploração laboral. Os estudos foram realizados nos municípios de Água Preta, Aliança, Sirinhaém, Itambé e Goiana, com o apoio de oficinas comunitárias e análises epidemiológicas.
A tese, desenvolvida pela sanitarista Renata Cordeiro Domingues, do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Fiocruz Pernambuco, foi orientada pela pesquisadora Aline do Monte Gurgel e coorientado pelas pesquisadoras Idê Gurgel e Mariana Olívia. Renata, que atua como pesquisadora colaboradora do Laboratório de Saúde Ambiente e Trabalho, explica que o estudo foi realizado entre 2018 e 2023, mas enfrentou um grande desafio com a chegada da pandemia. Durante os anos de isolamento, não foi possível ir a campo nem estabelecer vínculos consistentes com as comunidades. "A estratégia da pesquisa foi trabalhar com dados secundários e se preparar para o momento em que houvesse vacina para todos", conta. Apenas em 2022, com a cobertura vacinal segura, foi possível iniciar o contato presencial, realizando oficinas e o Diagnóstico Rural Participativo (DRP).
O trabalho foi estruturado em três artigos científicos, cada um abordando diferentes aspectos da problemática. O primeiro caracterizou os processos protetores e destrutivos na saúde socioambiental, evidenciando desigualdades sociais, degradação ambiental e condições precárias de trabalho. Ao mesmo tempo, destacou a importância da agricultura familiar, da organização comunitária e das práticas de autocuidado como formas de resistência e proteção da saúde.
No segundo artigo, a exposição a agrotóxicos foi o foco. Os resultados mostraram que trabalhadores das plantações de cana sofrem com intoxicações agudas e crônicas, além de doenças graves como câncer e disfunções metabólicas.
O terceiro artigo analisou a relação entre as queimadas e hospitalizações por agravos respiratórios em crianças menores de cinco anos e idosos acima de 60 anos. Os dados revelaram que as regiões canavieiras apresentam maiores taxas de internação por doenças respiratórias, reforçando o impacto negativo das práticas adotadas pelo setor sucroalcooleiro.
Além dos dados quantitativos, os relatos das comunidades foram fundamentais. "Acredito que a primeira solução prática que a tese propõe para reduzir as exposições aos agrotóxicos e os impactos da queimada é ouvir o povo, produzir dados ouvindo o que de fato acontece", afirma Renata. Ela relata casos de famílias que precisavam sair de suas casas e subir a serra para escapar da fumaça intensa após as queimadas.
"Se ficarem em casa, morrem sufocadas. Quando voltam, a casa está preta, cheia de fuligem. Elas têm que limpar tudo para poder viver ali novamente", descreve. Segundo a pesquisadora, as queimadas são regulares e ocorrem durante cerca de oito meses por ano, deixando apenas quatro meses de respiro para os moradores.
A sanitarista defende que pensar soluções com o povo é tão importante quanto ouvir para diagnosticar. "As políticas públicas precisam ser elaboradas a partir dos territórios. São os territórios que devem ser os formuladores", ressalta. Para ela, a mobilização social e o fortalecimento das instituições reguladoras são caminhos fundamentais.
"Precisamos de um trabalho histórico para que essas instituições cumpram seu papel e que os responsáveis por esses problemas sejam punidos", reforça. A pesquisa também chama atenção para as condições de trabalho no setor. A colheita manual da cana-de-açúcar, muitas vezes precedida pela queima da palha, é realizada sob um regime de produção exaustivo. Os cortadores são contratados sazonalmente e remunerados por produção, o que os obriga a trabalhar em ritmo acelerado. Estudos mostram que um trabalhador pode cortar até 12 toneladas de cana por dia, resultando em frequentes problemas de saúde como dores musculoesqueléticas, desidratação, intoxicações e mutilações.
O Diagnóstico Rural Participativo revelou ainda a precarização dos serviços públicos, incluindo saneamento, saúde, educação e segurança. A pesquisa sistematizou os planos de diagnóstico junto às comunidades, mas agora enfrenta um novo desafio. "Precisamos reunir esse conjunto de atores de diferentes espaços, sobretudo com pessoas da comunidade, para construir um plano de ação", explica Renata.
A pesquisadora defende a produção de dados primários como instrumento fundamental para fundamentar ações efetivas. "Esses dados se tornam ainda mais potentes quando são produzidos com a comunidade, a partir da conversa com quem vive essas realidades", conclui.