
O lançamento da agenda reuniu cerca de 70 pessoas no auditório do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Flamengo. Foto: Peter Ilicciev (CCS)
Agenda de enfrentamento à violência armada. Esse foi o tema do debate que reuniu representantes de organizações da sociedade civil, de instituições de pesquisa e ensino e coletivos na noite de terça-feira (13/5), às 18h, no Rio de Janeiro. O encontro aconteceu no fim de um dia de tensão na cidade: desde a madrugada, a Polícia Militar comandou uma ação de grande porte no Complexo da Maré, onde vivem 140 mil pessoas, com apoio de helicópteros e carros blindados.
As consequências da operação desencadeada para encontrar um dos chefes do tráfico local foram muitas para a população da cidade: tiroteios intensos ao longo do dia, interdição dos maiores corredores de tráfego da cidade – Linha Vermelha e Linha Amarela, por pelo menos sete vezes -, fechamento de duas escolas estaduais e impacto em outras 43 escolas municipais da região, além de postos de saúde. A ação provocou confrontos e também afetou as atividades da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fiocruz.
Mobilização
A frequência e o risco de situações de violência como essa na cidade provocaram a mobilização para a construção de uma Agenda de enfrentamento à violência armada. O lançamento reuniu cerca de 70 pessoas no auditório do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Flamengo. O encontro começou com a performance do Coletivo Pac'stão, promotor de cultura Hip Hop e projetos socioculturais.
“Precisamos juntar esforços e trazer as instituições e os movimentos para debater propostas e soluções alternativas que valorizem e preservem a vida da população e que garantam direitos, para apresentar ao poder público”, afirmou coordenadora de Ações Interinstitucionais da Fiocruz, Zélia Profeta, que conduziu o encontro. “Nos reunimos semanalmente, com o objetivo de discutir experiências e o que vem sendo gerado pela academia e nos territórios para, de forma coletiva, pensar estratégias para esse enfrentamento”, disse.
A agenda vai ser construída em três eixos: valorização e preservação da vida; garantia de direitos; e mitigação da ambiência de insegurança e medo. Participam da iniciativa a Redes da Maré, Instituto Fogo Cruzado, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Espaço Casa Viva, Rede CCAP, Universidade Federal Fluminense (UFF), UFRJ, Fiocruz, Conselho Gestor Intersetorial Manguinhos (CGI) e os sindicatos dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj e dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN).
Coletivo Pac'stão, promotor da cultura hip hop. Foto: Peter Iliciev (CCS)
Dados
A diretora de Dados e Transparência do Instituto Fogo Cruzado, Isabel Couto, participou do encontro e falou da importância de ter informações sobre violência para propor formas de enfrentá-la. O Instituto lançou, em parceria com o Grupo de Estudo de Novos Ilegalismos da UFF, o Mapa histórico dos grupos armados. “A pesquisa mostra que, de 2008 a 2023, o crime organizado dobrou o seu tamanho em porcentagem territorial na Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, afirmou.
“Uma em cada quatro escolas por ano são afetados por tiroteios em dias e horários letivos. Isso é grave. Isso afeta o direito constitucional da população do Rio de Janeiro à educação”, afirmou. A pesquisa mostra que cerca de 44% dos postos de saúde também são afetados e os corredores de transporte são interrompidos em média 543 vezes por ano. “Cerca de um terço dos tiroteios na região metropolitana do Rio de Janeiro acontecem em ações e operações policiais. Ou seja, não dá pra dizer que o estado não está atuando, pelo menos dessa forma, para tentar conter o crime organizado”, avalia.
Isabel falou sobre caminhos possíveis. “Para além das operações policiais, existem duas vias que são muito importantes: a primeira é a investigativa. E por que a investigação é tão importante? Porque quando você prende um grande gerente de uma área de tráfico ilegal em uma favela, outra pessoa assume o lugar. Mas existe toda uma rede especializada em lavagem de dinheiro, em circulação de armas, em circulação de drogas e uma série de outros serviços intermediários que é muito pouco atacada, muito pouco combatida no Brasil”, analisa.
Para a diretora, esse é um caminho importante para produzir efeitos mais sustentáveis de combate ao crime organizado. “E, principalmente, que não deixem a população na linha de tiro”, alertou. “Outra via muito importante é pensar a estruturação dos serviços urbanos. Boa parte das ações e do lucro do crime organizado hoje em dia se estruturam em torno de serviços frágeis oferecidos pelo estado”, lembra. Ela considera a ação em rede e colaborativa entre os diversos níveis de governo, instituições e organizações da sociedade civil fundamental para enfrentar a violência armada.
Desastres
O professor da UFRJ Alexandre Oliveira, líder do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Saúde e Emergências em Desastres e coordenador do Grupo de Trabalho responsável pela elaboração de um plano de contingência da universidade frente a violência urbana falou de alguns conceitos que considera importantes para a discussão. “Dentro da lógica de risco, de desastre, nós temos três tipologia: os desastres de origem natural, de origem tecnológica e de origem social. Compreender a violência urbana como desastre social é estratégico, porque visa pensar em ações de gestão do risco”, explicou.
“Quando eu digo que a violência é um desastre social, necessariamente tratamos de alguns elementos: vulnerabilidade dos territórios e das instituições; ameaça em si, como ela se configura nos territórios; exposição das pessoas e das comunidades; e da nossa capacidade de resposta aos eventos”, enumerou. “Chegamos a um momento no Estado do Rio de Janeiro em que a nossa capacidade de resposta é superada e não conseguimos responder aos desafios que a violência nos traz”, avaliou.
Para enfrentar melhor o cenário, é preciso criar uma rede estratégica, segundo o professor. “Isso implica em ajuda externa, necessariamente, como qualquer outro desastre de grande magnitude. Ajuda de Instituições, de outros estados da federação e até mesmo de outros países que possam efetivamente colaborar na lógica de governança de riscos”, afirmou. O plano de contingência a UFRJ está em fase final de elaboração. “É uma resposta que a universidade está dando agora para proteger a comunidade universitária, mas também as comunidades adjacentes”.
Debate
A discussão do cenário de violência foi ampla, com participação intensa dos presentes, pessoas com experiências e saberes diversos. Entre outras, falaram a pesquisadora Joana de Medina, do Grupo de Luta Antimanicomial e Feminismos da UFRJ; a moradora de Manguinhos Carmen dos Santos Camerino; o professor do Degase e representante do Projeto Ativamente, Marcio Mundim; a pesquisadora de violência institucional e segurança pública e representante da Justiça Global, Luna de Oliveira Ribeiro; e a representante da Organização Mulheres de Atitude (OMA), Elenice Pessoa.
Também falaram o professor do Departamento de Segurança Pública e diretor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da UFF (InEAC/UFF), Lenin Pires; a diretora executiva do Espaço Gaia (Complexo do Salgueiro, São Gonçalo), Laura Torres; o representante da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, Eden Pereira Lopes da Silva; os vice-presidentes de Educação, Informação e Comunicação e de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Marly Cruz e Valcler Rangel, entre outros presentes.