Plano Integrado de Saúde nas Favelas celebra cinco anos de conquistas

Por
Leonardo Sodré (Plano Integrado de Saúde nas Favelas RJ)
Publicado em
Compartilhar:
X

O auditório da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) se encheu de aplausos, emoção e trocas potentes na terça-feira (29/4), na celebração dos cinco anos do Plano Integrado de Saúde nas Favelas. Criada em 2020 como resposta emergencial à pandemia de Covid-19, a iniciativa nasceu da união entre Fiocruz, Alerj, instituições de pesquisa e universidades, com o objetivo de promover saúde integral e justiça social em territórios historicamente negligenciados. Cinco anos depois, os frutos são visíveis: mais de 650 mil pessoas impactadas, 175 favelas atendidas, 146 projetos apoiados e 500 toneladas de alimentos distribuídas.

Desde sua criação o Plano já realizou dois editais públicos. Foram repassados entre R$ 50 mil e R$ 500 mil destinados às ações em saúde nos territórios de vulnerabilidade social (Foto: Alex Ramos)

“Não é possível falar em SUS sem colocar na linha de frente os territórios populares. Não é possível falar de saúde sem falar de desigualdade e de racismo. Esse plano não é uma ajuda. É um exemplo de política pública permanente que se estrutura dentro da lógica do SUS”, destacou a ex-ministra da Saúde e ex-presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, homenageada na abertura do evento.

Segundo ela, o plano representa uma virada de chave sobre como o Estado pode agir em favelas e periferias: “A pandemia escancarou a urgência de se colocar o direito à saúde no centro da política. Mas, para as favelas, esse direito precisa vir acompanhado de representação, voz e mudanças reais. Este plano é central para o enfrentamento a futuras emergências, sejam sanitárias ou climáticas”.

Desde sua criação, o Plano já realizou dois editais públicos. Foram repassados entre R$ 50 mil e R$ 500 mil destinados às ações em saúde nos territórios de vulnerabilidade social, entre eles cozinhas comunitárias, consultórios psicoterapêuticos e formação de jovens comunicadores. Os investimentos distribuídos para 146 projetos com atuação local em 33 municípios do Rio de Janeiro representam a maior ação específica no Brasil com foco na saúde nas favelas.

Para o diretor-executivo da Fiocruz, Juliano Lima, o momento é de usar os aprendizados proposto pelas tecnologias sociais desenvolvidas com a implantação do Plano Integrado de Saúde nas Favelas e manter os avanços: “A maior tragédia sanitária da nossa geração mostrou que só avançamos em saúde e ciência quando unimos instituições fortes e mobilização social. O SUS precisa olhar com seriedade para os territórios populares, porque é ali que ele se realiza em sua plenitude”, ressaltou.

Saúde pública em “tempos de guerra”

A primeira mesa do dia, O nascimento do plano no contexto da Covid-19, abordou a criação do projeto em um momento de colapso do sistema de saúde e negacionismo institucional. “Foi como fazer saúde pública em tempos de guerra, como se faz em Gaza. Alguns territórios brasileiros funcionam como zonas de cerco e aniquilamento. Era um pandemônio. Mas conseguimos construir uma solidariedade estratégica, liderada por mulheres negras, que sustentaram seus territórios mesmo sem apoio oficial”, disse o professor da UFRJ Pedro Cunca Bocayuva.

O evento lançou novos compromissos: no dia 5 de maio será iniciado o Programa de Formação em Captação e Gestão para Organizadores de Favelas, voltado ao fortalecimento de 50 organizações sociais (Foto: Alex Ramos)

O depoimento do coordenador do Instituto Raízes em Movimento do Complexo do Alemão, Alan Brum, destacou que a legitimidade do plano está no saber do território. “É quem conhece a casa, a cultura, o cotidiano. É o morador, a liderança comunitária, quem constrói essa política. O que o plano fez foi unir isso à ciência, à academia, à estrutura institucional, criando algo com validade técnica e força de transformação”.

Impacto além dos números

Durante a mesa seguinte, Cinco anos de fortalecimento do campo da saúde integral nas favelas, ficou claro que os maiores impactos do plano não cabem apenas em números. “Quando a gente fala de impacto, não estamos falando só de números. Estamos falando de uma nova institucionalidade construída por redes, por conexões afetivas, por criatividade e inovação. Criamos uma outra forma de organização”, disse Lígia Bahia, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A professora Ivana Bentes, da UFRJ, propôs a ideia de “favela-universidade” como uma nova abordagem de extensão universitária. “As universidades já estão nas favelas, mas não estão articuladas. Precisamos pensar a Maré como um campus, a Rocinha como um campus, o Santa Marta como um campus. A extensão é o braço da universidade onde a vida acontece. A extensão são os médicos cubanos da universidade”.

Já Jackeline Farbiarz, da PUC-RJ, compartilhou uma experiência com jovens de 60 comunidades diferentes em um dos projetos apoiados pelo plano. “Durante uma imersão, eles foram convidados a pensar em como dormir melhor por uma noite. E foi aí que criaram um aplicativo de alerta de segurança. Sinal vermelho era um desabamento, um alagamento. Mas tiroteio era sinal amarelo. Isso me doeu profundamente. O quanto a gente normalizou o inaceitável? Eles sabiam por onde passar para aumentar a chance de sobreviver. Isso me ensinou muito sobre o que é viver nas favelas hoje”.

Futuro construído agora

A última mesa, Saúde integral nas comunidades urbanas: uma agenda para as políticas públicas, projetou os próximos passos. “Direito à cidade é também direito à favela. A favela não é apenas parte da cidade — ela é a cidade. E é também espaço de produção de saber, ciência e política. A Marielle já dizia isso. E precisamos reafirmar essa construção coletiva a partir das nossas experiências”, declarou a deputada estadual Renata Souza (Psol).

Sônia Fleury, da Fiocruz, reforçou o valor da rede construída: “Esse projeto não ficou no improviso da emergência. Ele virou uma política estruturante, com consistência e diversidade institucional. É um exemplo de como alianças entre coletivos e academia podem produzir mudanças concretas”.

De acordo com o coordenador-executivo do Plano Integrado de Saúde nas Favelas, Richarlls Martins, nos últimos cinco anos a iniciativa fortaleceu a agenda pública sobre o pensamento do que é saúde nestes territórios: “através da construção coletiva, em rede e interinstitucional contribuiu ativamente para modular uma forma pouco explorada de olhar sobre a favela, que transita fora da polaridade violência-segurança pública ou do planejamento urbano. A saúde firmou-se como princípio agregador para pensar favela, agregou o parlamento, a sociedade civil, a academia, múltiplos atores, saiu da capital e chegou a 33 cidades”.

Capacitação e debate

Além da celebração, o evento lançou novos compromissos: no próximo dia 5 de maio será iniciado o Programa de Formação em Captação e Gestão para Organizadores de Favelas, voltado ao fortalecimento de 50 organizações sociais. E em 30 de maio a Alerj promoverá uma audiência pública sobre saúde nas favelas, convocada pela Comissão de Direitos Humanos.