Uma pesquisa desenvolvida em parceria entre a Fiocruz e a Universidade do Texas em El Paso (Utep), dos Estados Unidos, pode contribuir para aprimorar o diagnóstico da doença de Chagas. Causada pelo parasito Trypanosoma cruzi, a infecção é geralmente silenciosa e pode causar complicações graves em parte dos pacientes. O método validado pelos cientistas facilita a extração de DNA do T. cruzi em amostras de sangue. Esta etapa é um pré-requisito para o diagnóstico molecular, que detecta o genoma do parasito.

Utilizando um robô para extração de DNA, os pesquisadores obtiveram resultados mais rápidos, sensíveis e confiáveis na comparação com o procedimento atualmente utilizado, com kits de colunas de sílica. Os resultados foram publicados na revista científica International Journal of Molecular Sciences.
“O uso do robô facilita muito a extração do DNA, é mais rápido e reduz os riscos de contaminação da amostra. Nos testes, observamos maior capacidade de recuperação e maior pureza do DNA extraído com essa metodologia, o que proporcionou aumento de sensibilidade para detectar cargas extremamente baixas de parasitos", ressalta o chefe do Laboratório de Virologia e Parasitologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Otacilio Moreira, que coordenou a pesquisa juntamente com Igor Almeida e Priscila Farani, da Utep.
Para extrair o DNA de uma amostra, o robô de extração utiliza microesferas magnéticas, que atraem esse tipo de molécula. Já na coluna de extração, o DNA se liga às moléculas de sílica, separando-se dos outros componente da amostra.
Além desta diferença na forma de atração do DNA, o robô automatiza o procedimento de extração, eliminando a necessidade de uma série de etapas que precisam ser feitas manualmente pelos profissionais com a técnica das colunas de sílica.
O equipamento já é rotineiramente utilizado no diagnóstico de diversos agravos. Porém, a metodologia ainda não tinha sido validada para a doença de Chagas, em amostras de sangue preservado em solução de guanidina-EDTA.
Etapas de validação
O estudo contemplou duas etapas de análise. Na primeira, realizada na Utep, os pesquisadores compararam o desempenho das duas metodologias em condições controladas, utilizando amostras de sangue contaminadas artificialmente, em laboratório, com quantidades cada vez menores de DNA parasitário. Nas amostras com baixa carga parasitária, contendo material genético equivalente a menos de 1 parasito por ml, a técnica de extração automatizada apresentou melhor desempenho.
Na segunda etapa de análise, a metodologia foi validada para diagnóstico em amostras de sangue de pacientes com doença de Chagas crônica. Estes testes foram feitos no IOC, pela estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária, Amanda Faier-Pereira, com amostras cedidas pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). As análises mostraram 100% de concordância nos resultados entre as duas metodologias.
“Combinados, esses testes validam o uso do robô de extração para o diagnóstico molecular da doença de Chagas e indicam que, em cargas parasitárias extremamente baixas, essa metodologia deve ser superior à coluna de sílica”, declara Otacilio.
Foco na saúde pública
A validação do procedimento é mais uma contribuição do IOC no tema, considerando a possibilidade de incorporação do diagnóstico molecular da doença de Chagas no Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu o registro do Kit NAT Chagas, que reúne todos os compostos necessários para a realização do teste de PCR para detecção do T. cruzi. A ferramenta foi desenvolvida em parceria entre o IOC e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP).
A extração automatizada do DNA é uma ferramenta complementar, que facilita e aprimora o processamento das amostras para o teste com o kit. A incorporação das ferramentas no SUS depende da avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e da decisão final do Ministério da Saúde.
Duas pesquisas em andamento visam avaliar, na prática, os benefícios do teste molecular para ampliar a detecção de casos agudos da doença de Chagas.
O estudo Diagnóstico de Chagas Oral (DiaChO), liderado pelo IOC, tem como foco infecções causadas por ingestão de alimentos contaminados pelo T. cruzi (como açaí, bacaba e caldo de cana). Atualmente, está é a forma mais comum de transmissão da doença de Chagas no Brasil. Desenvolvida nos estados do Pará, Amapá e Amazonas, a pesquisa conta com colaboração das Secretarias Estaduais de Saúde e financiamento do Programa Inova Fiocruz.
Já o estudo Cuida Chagas, liderado pelo INI, com participação do IOC, tem como alvo a infecção em recém-nascidos, que podem contrair o parasito durante a gestação ou no parto, quando a mãe está infectada com T. cruzi. Realizado no Brasil, Bolívia, Colômbia e Paraguai, o estudo tem financiamento da Unitaid e do Ministério da Saúde.
“Atualmente, o diagnóstico destes casos é realizado por exame parasitológico, que depende da observação do parasito na amostra de sangue com uso do microscópio. O diagnóstico molecular é um método mais sensível, capaz de detectar fragmentos de parasitos, que pode ampliar o diagnóstico. Isso é fundamental para promover o acesso ao tratamento e prevenir infecções crônicas, que podem ter consequências graves”, reforça Otacilio, que coordena o estudo DiaChO e integra o projeto Cuida Chagas.
Doença de Chagas no Brasil
Segundo o Ministério da Saúde, foram registrados 516 casos de doença de Chagas aguda no Brasil em 2023 e estimativas indicam que 1,9 a 4,6 milhões de pessoas são portadores crônicos do T. cruzi no país. Pelo ciclo natural da doença, muitos portadores nunca desenvolvem sintomas. Porém, até 40% acabam apresentando complicações, como problemas cardíacos e digestivos, que se desenvolvem após anos de infecção silenciosa. O tratamento da infecção na fase aguda tem maior eficácia na eliminação do T. cruzi, prevenindo as lesões crônicas.