INAD 2023 Destaca a Acessibilidade Acústica

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Cogepe
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Imagine um alarme de incêndio soar e você nem notar, pois não pode ouvi-lo. Imagine tentar ingressar em um prédio em que a comunicação entre a portaria e o apartamento se dá pelo interfone, por voz, e você não pode falar. Estas são algumas situações enfrentadas pelas pessoas com perdas auditivas em seu dia a dia. No Brasil, 2,3 milhões de pessoas têm deficiência auditiva, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019.

O Dia Internacional de Conscientização sobre o Ruído (International Noise Awareness Day – INAD) de 2023 trouxe para o debate a acessibilidade acústica. O XIII INAD foi organizado pelo Núcleo de Ergonomia e Ambiências e pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fiocruz em parceria com a Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac) na quarta-feira (26/4), no auditório da Casa de Oswaldo Cruz, e teve como tema Ruídos na Comunicação? Todos sem conexão!

O evento contou com quatro exposições e debates entre os participantes. A primeira apresentação foi feita pela doutora em acústica, Marilda Duboc, do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (Nides/UFRJ). A palestrante falou das contribuições que a acústica, ciência que estuda o som, pode dar no campo da acessibilidade facilitando a inclusão e a comunicação das pessoas com perdas auditivas e distúrbios vocais. Marilda apresentou resultados de um estudo multidisciplinar em que pesquisadores propõem a criação de uma nova linha de pesquisa que considere a acústica e a acessibilidade juntas.

A qualidade sonora de um local, explicou Marilda, se caracteriza pelo seu conforto acústico e por sua capacidade de proporcionar a compreensão das informações sonoras relevantes. Parâmetros como o tempo de reverberação, a presença de ruídos de fundo e a relação sinal/ruído são considerados para avaliar a qualidade sonora de um ambiente. “Esses parâmetros são importantes para as pessoas com deficiência auditiva porque elas são muito sensíveis a um aspecto chamado ‘efeito coquetel’, que gera uma deficiência em receber a mensagem falada na presença desse ruído de fundo. O ruído do ar-condicionado ou de falas no corredor vizinho, por exemplo, pode dificultar muito a compreensão da informação de interesse”, disse.

O tradutor de Libras Deivid Douglas, que trabalhou no evento, relatou como os ruídos de fundo impactam na sua saúde e no seu trabalho. “Tenho misofonia. Alguns ruídos, por vezes imperceptíveis a outras pessoas, soam muito barulhentos para mim. Certa vez, estava fazendo uma tradução e o barulhinho de um carregador de celular na fonte de energia provocava um incômodo enorme”, revelou.

O professor Carlos Túlio da Silva Medeiros, que coordena a Divisão de Qualificação e Encaminhamento Profissional do Instituto Nacional dos Surdos (INES) falou da importância da acessibilidade do trabalhador no mercado de trabalho. “Há mais de 30 anos existe a Lei de Cotas para as pessoas com deficiência (PcD). Ela determina que empresas com 100 a 200 funcionários reservem 2% de suas vagas para pessoas com deficiência. Na prática, muitas empresas preferem pagar multas a contratá-las”, lamentou. Túlio alertou que a inclusão das PcD é, ainda, um grande desafio.

Sônia Gertner, membro do Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência apresentou no INAD a Política de Acessibilidade da Fiocruz. “Há cinco ou seis anos, nos perguntamos que iniciativas tínhamos na Fiocruz para a acessibilidade e inclusão? Vimos que muitas coisas eram feitas, mas pontualmente. Unimos essas iniciativas e seus profissionais para formar o Comitê e ganhar força nessa luta”, disse. Sônia destacou que a acessibilidade e a inclusão têm ganhado cada vez mais relevância nas teses do Congresso Interno da Fiocruz.

Também participou do INAD, José Leonídio de Souza, coordenador da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz. Leonídio falou do projeto Empregabilidade Social da Pessoa Surda que oferta trabalho e formação para as pessoas surdas. O projeto é desenvolvido pela Fiocruz em parceria com o Centro de Vida Independente (CVI) - Rio.

“A Cooperação é um órgão de assessoramento à Presidência nas temáticas relacionadas a grupos e coletivos sociais historicamente menorizados em seus direitos. Buscamos reforçar as capacidades desses grupos e de seus territórios para que possam disputar as políticas públicas e, com isso, conseguir melhorar a qualidade de vida e reverter o quadro da desigualdade social”, pontuou. Na Fiocruz, atualmente trabalham 108 pessoas surdas. Entre elas, Joelma de Jesus dos Santos, que dividiu a apresentação com Leonídio.

Joelma falou sobre sua experiência e vivência na Fiocruz. Ela disse que se sente muito acolhida e respeitada na Fundação e que os surdos têm oportunidade de crescer na Fiocruz, diferentemente do que vê em muitas empresas. Joelma também comentou sobre as dificuldades enfrentadas pelas pessoas surdas, dentro e fora da instituição. “Fui tomar a vacina bivalente da Covid. Estava acompanhada de meu filho, que é autista. Imagina depender dele para intermediar a conversa. Não consegui me comunicar bem com a atendente”, relatou. Por fim, enfatizou que a sociedade precisa avançar no combate ao capacitismo e entender que uma pessoa com deficiência não é incapaz. “Muitas vezes, há uma relação de dependência fora da Fiocruz, parece que o surdo tem que ser dependente o tempo todo. Surdo é capaz”, enfatizou.

O INAD 2023 teve a participação de vários trabalhadores surdos que, muito mais do que ouvir, puderam falar. “Sempre digo que o INAD está ganhando potência a cada ano. É muito importante o que a Joelma nos traz, assim sabemos como podemos avançar. Não basta termos tradutores em Libras nos eventos, precisamos ‘dar voz’ aos surdos e outras pessoas com deficiência”, disse Marisa Augusta Oliveira, coordenadora da Coordenação de Saúde do Trabalhador (CST/Cogepe/Fiocruz), integrante da mesa de abertura.

Também compuseram a mesa de abertura o presidente da Sobrac Krisdany Cavalcante, a coordenadora da Sobrac Rio de Janeiro Maria Lygya Niemeyer, a professora e pesquisadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp/Fiocruz) Marcia Soalheiro e a arquiteta e urbanista Marta Ribeiro, coordenadora do Projeto Ruído, do Núcleo de Ergonomia e Ambiências (NAE/CST/Cogepe/Fiocruz).

“Hoje, são 108 trabalhadores surdos e apenas 1% tem nível superior. Existe uma necessidade urgente de aprimoração. A inclusão é uma obrigação de todos nós e ela tem pilares. Um deles é o desenvolvimento e para haver desenvolvimento precisamos dar escolaridade” salientou Marcia.

“O evento foi importantíssimo, à medida em que permitiu divulgar um novo campo de estudo, a ‘acessibilidade acústica’ e estimular a cultura da prevenção a partir do projeto arquitetônico, onde a qualidade acústica das edificações é pensada com foco nas pessoas surdas ou com algum grau de perda auditiva. Permitiu, também, refletir sobre os critérios geralmente definidos para a contratação de pessoas surdas e sobre a necessidade de melhorar sua qualificação profissional.  Senti uma grande emoção ao ver que as pessoas surdas, presentes no evento, tiveram a oportunidade de expressar as dificuldades que encontram no dia a dia e revelaram que se sentem acolhidas e incluídas nas ações desenvolvidas pela Fiocruz”, disse Marta.

O INAD 2023 foi transmitido ao vivo para interessados por meio do Canal Saúde. A gravação está disponível no canal da Cogepe no Youtube, confira: https://youtu.be/uuqMyJY0KoU

Fotos: Giana Pontalti