Fiocruz
Fundação Oswaldo Cruz
BUSCA NA BASE:

Distribuição precária de água pode criar condições para reprodução do vetor da dengue

"A oferta precária do serviço de distribuição de água estimula a adoção de práticas de estocagem, que podem criar condições propicias à reprodução do vetor", afirma Alexandre San Pedro Siqueira, em sua dissertação de Mestrado em Saúde Pública 'Condições Particulares de Transmissão da dengue na Região Oceânica de Niterói', sob orientação da pesquisadora Rosely Magalhães (Densp/ENSP).

O estudo assume como pressuposto que a dengue é uma doença extremamente relacionada à dinâmica de reprodução social de determinados grupos populacionais. Ela envolve questões referentes à qualidade das habitações e disponibilidade de serviços de saneamento em quantidade e qualidade adequadas, tendo sua maior representação no nível local. “No caso da dengue, apenas a análise das condições de vida não é suficiente para o entendimento da complexidade relacionada a esta doença. Por isso deve ser dado um destaque especial para as formas como determinados grupos populacionais vivem nessas condições e atuam sobre elas”, explicou Alexandre.

Na dissertação, ele explica ainda que dentro das áreas estudadas - as sub-localidades Maravista, Soter, Engenho do Mato e Campo Belo - dois fatores são determinantes para o risco de transmissão da doença. “O primeiro está diretamente relacionado à oferta limitada do serviço de abastecimento de água, que caminha ao lado da escassez de recursos financeiros de algumas famílias e está associado a uma população de menor renda. O segundo fator se refere à abundância de recursos diretamente ligados a um grupo de maior poder aquisitivo, o que permite a estocagem de água em reservatórios permanentes com maior capacidade de acúmulo, em especial as caixas d’água e cisternas”, apontou Alexandre.

Para o desenvolvimento da pesquisa, foram escolhidas quatro sub-localidades semelhantes na incidência de dengue, mas que apresentam diferenças nos padrões urbanísticos e socioeconômicos. As características socioespaciais de cada uma dessas sub-localidades foram obtidas por meio de entrevistas e observações de campo. Também foram pesquisadas informações sobre o processo histórico de ocupação e estruturação interna do bairro de Itaipu.

Durante as entrevistas com os moradores, Alexandre identificou três formas principais de dinâmica de uso da água e sua possível relação com o processo de produção e reprodução da dengue. “A primeira está relacionada às moradias de alto e médio padrão de infra-estrutura habitacional, onde a maior disponibilidade de recursos financeiros permite a adoção de práticas de estocagem de água em reservatórios de grande capacidade de armazenamento”, comentou.

Alexandre explica que a segunda forma refere-se às habitações de baixo padrão de infra-estrutura, na qual foi observada uma relação de dependência obrigatória e permanente entre os moradores que possuem poços e aqueles que não dispõem de nenhuma forma de abastecimento, resultando, assim, em práticas de estocagem permanente em recipientes do tipo tonéis. E a última forma revela que nas moradias de médio baixo padrão de infra-estrutura habitacional a estocagem se dá de forma periódica. “Em épocas de racionamento no fornecimento ocorre uma relação de dependência transitória entre os moradores. Isso leva à adoção de práticas de estocagem em recipientes precários do tipo tonéis e baldes", descreveu.

De acordo com Alexandre, apesar do esforço dos agentes de controle de endemias nas sub-localidades, existem ainda muitas dificuldades para formar um efetivo monitoramento dos terrenos baldios e nas casas com piscinas não tratadas. “Essas características de infra-estrutura urbana foram mencionadas por todos os entrevistados como sendo o maior problema da disseminação da dengue na região”, disse ele. Além disso, a infra-estrutura habitacional instalada de forma incompleta e desigual pode ser determinante para geração diferenciada de criadouros do vetor.

De acordo com ele, essas questões apontam para a necessidade de se desenvolver estudos e investigações que busquem entender de forma mais profunda a produção da dengue e as condições reais de abastecimento de água. “Assim, poderemos entender melhor os motivos e conseqüentemente e os fatores envolvidos na dinâmica de transmissão da doença”, reiterou. “O desenvolvimento de estudos que resgatem os processos históricos e os determinantes socioambientais específicos de cada localidade é essencial para o melhor entendimento da complexa cadeia de reprodução da doença, propiciando subsídios para o gerenciamento de políticas e estratégias de controle mais eficientes em nível local”, destacou.

O desenvolvimento da doença no país
Outros estudos sobre dengue, citados por Alexandre em sua dissertação, afirmam que no Brasil as primeiras referências oficiais da doença foram feitas em 1920, no município de Niterói/RJ. Na década de 50 e 60, o Aedes aegypti foi considerado erradicado do território nacional. E a dengue só ressurgiu no Brasil no início dos anos 80, com marcante presença em quase todos os estados do país. Pesquisas mostram ainda que a doença chegou na região metropolitana do Rio de Janeiro em 1986, quando o sorotipo DEN-1 provocou uma epidemia de dengue clássica em diversas regiões do estado.

Para Alexandre, a recuperação da origem histórica responsável pela atual configuração socioespacial da região estudada é uma importante ferramenta para a melhor compreensão dos determinantes particulares envolvidos na disseminação, não só da dengue, como também de outras doenças. “Ao se buscar a história de ocupação e estruturação interna da região de Itaipu, observamos que a infra-estrutura habitacional gerada quase que exclusivamente pelo capital especulativo privado foi determinante para a criação de uma divisão social que também reflete uma segregação econômica. Isso resulta em formas diferenciadas de condições de receptividade e vulnerabilidade à dengue, vivenciadas pelos diferentes grupos populacionais”, finalizou Alexandre.


Fonte: Informe ENSP, n. 473, 7 maio 2008

Rua Leopoldo Bulhões, 1480 - Manguinhos - RJ - Brasil - CEP 21041-210 | Tel: (21) 2598-2501 ramais 2504, 2669 e 2648 - Fax: (21) 2290-4925 | e-mail: bvsensp@icict.fiocruz.br | Horário de funcionamento: De 2ª a 6ª-feira das 8h às 17h